domingo, 29 de abril de 2012

Pipoca.

O pipoqueiro está em sua esquina de costume, apoiado em seu carrinho, sorrindo ao observar as brincadeiras das crianças na praça. Um homem cabisbaixo se aproxima, levantando seu olhar rapidamente para direcioná-lo ao pipoqueiro, para pedir um saco de pipoca doce. Naquele relance, o pipoqueiro compreende. Enquanto enche um saquinho de papel com pipoca doce, sente um calor passar de sua mão para a colher de pipoca. Ele não toca na própria mercadoria (é um profissional), mas, se tocasse, provavelmente sentiria nos flocos brancos um calor curioso, diferente daquele providenciado pelo fogo.. O estranho pega o saco, paga e se afasta, petiscando a guloseima sem muita vontade.
Antes que ande até a esquina, seu celular toca. Ele olha para o visor atônito, sem acreditar no nome que lê. Então atende, gaguejante:
"A-alô? Oi, amor! Quê! Se eu te desculpo? Falou sem pensar? Confia em mim agora? Claro que eu te aceito de volta, meu amor! Esse é o dia mais feliz da minha vida! Sim, estou aqui perto, estou indo praí." E sai correndo, o saquinho esquecido na mão espalhando seu conteúdo pelo chão, pra alegria dos pombos da cidade.




Cai a tarde, e muitas pessoas se aproximam do carrinho para comprar pipoca. Entre elas está um homem de meia-idade de semblante triste. Pouco depois que este começa a comer sua pipoca, sentado num banco da praça com o olhar perdido no vazio, um homem de jaleco branco sai esbaforido do hospital com um envelope numa mão. Hesita por um momento, olhando em volta, então vê o senhor sentado no banco da praça e dispara em sua direção. O homem se levanta para aguardar a chegada daquele que reconheceu como seu cardiologista.
"Senhor Jonas!" diz o médico, arfante, ao alcançar seu paciente." Senhor Jonas, houve um terrível engano. O seu exame é este aqui", ele diz, entregando o envelope ao homem, que o abre atônito, lendo o papel sofregamente.
"Mas isto aqui..." Diz o homem, primeiro confuso, depois energicamente, agarrando o médico pelos ombros, ao se dar conta do tamanho da notícia "Isso aqui quer dizer que meu coração está curado! Eu estou bem!!!" O médico arfante confirma com a cabeça, um sorriso sincero iluminando as bochechas coradas pelo esforço. O homem não parece caber em si de contentamento. Dá um abraço no médico, depois se retrai, temendo ter sido inapropriado. Aperta a mão do médico, agradecendo repetidamente, se despede e parte.
É começo de noite, e o pipoqueiro deixa seu posto na calçada e se encaminha para casa. Sua última "cliente" do dia havia sido um solteirona de quarenta anos aparentes em cuja mão caíra uma flor, aparentemente levada pelo vento. O homem ri-se ao se lembrar da reação da senhora ao erguer os olhos para os céus e, tão concentrada em agradecer, não reparar que a árvore sob a qual estava em pé não estava em flor.
Então o pipoqueiro sacode a cabeça para afastar seus devaneios e aperta o passo. Ainda faltavam alguns quarteirões para chegar em casa e não gostaria de percorrer aquelas ruas quando ficasse escuro de verdade.
Chega em casa, abre o portão e, ao estacionar seu carrinho de pipoca na garagem, repara que sobrou um pouco do produto. Olha para os lados e pensa "Mal não faz". Enche para si mesmo um saquinho, sentindo aquele calor passar da mão pra colher e desta pra pipoca, e come o saco inteiro antes de entrar em casa. Então, tremendo de expectativa, abre a porta, esperando ouvir uma voz de criança a gritar "Papai!" e passinhos vindo recebê-lo. Mas não acontece nada. Ele entra, tranca a porta e pensa "Tudo bem, talvez ele esteja dormindo". Ele sobe as escadas com os joelhos tremendo e abre, lentamente, a porta do quarto do segundo andar. A cama de criança está arrumada, do jeito que esteve pelos últimos cinco anos. Em cima da cômoda, entre fotos de um garotinho sorridente e cabeludo, a brincar no parque, ou abraçado a seu pai em frente á jaula dos leões no zoológico, está uma foto de um garotinho sorridente e careca, numa cama de hospital, abraçado a seu pai. O sorriso do homem naquela foto parece tão incerto quanto um sorriso pode parecer.
Então mais uma vez a pipoca não havia surtido efeito, pensa o homem, com a certeza de que aquilo não o impediria de tentar de novo amanhã, ou no dia de pois de amanhã, ou no dia depois deste, e assim por diante, até o fim de seus dias.

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